sexta-feira, 21 de março de 2014

O 21 de março e as Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Brasil


Cubatão, 21 de março de 2014.

O  21 de março e as Políticas de Promoção da Igualdade Racial no Brasil
Por Júlio Evangelista Santos Júnior *

No dia de hoje, no mundo inteiro, relembramos Shapperville, onde em 21 de março de 1960, na cidade de Johanesburgo, capital da África do Sul, país que até 1994 adotou o apartheid como política de Estado, 20 mil negros protestavam contra a lei do passe, que os obrigava a portarem cartões de identificação, especificando os locais por onde eles podiam circular. Mesmo sendo uma manifestação pacífica, o exército atirou sobre a multidão, matando 69 pessoas e ferindo outras 186. Esta ação ficou conhecida como o Massacre de Shaperville. Em memória à tragédia, a ONU – Organização das Nações Unidas – instituiu 21 de março como o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. 
Em uma breve análise das políticas de igualdade racial no Brasil, observamos que desde a abolição da escravatura, datada de 13 de maio de 1888, com o racismo à brasileira, velado, disfarçado, mas eficaz, a partir da ausência de políticas públicas de promoção da igualdade racial com foco na população negra, ocasionou uma situação de marginalidade de grande impacto social, mas de nenhuma comoção por parte dos cidadãos e cidadãs do contexto social na época, e que perdura, das mais variadas formas, até os dias atuais.
É importante lembrar, porém, que o mesmo Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação  de todas as Formas de Discriminação Racial da década de 60, adotada pela Resolução 2.106-A  da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 21.12.1965, ratificada em 27 de março de 1968, e confirmada pelo Decreto nº 65.810 de 08/12/1969, isso há mais de quatro décadas. Portanto, já havia em nosso ordenamento jurídico uma determinação jurídico-política, no sentido de promover a igualdade racial e combater o racismo, que poderia ter sido traduzida em políticas públicas há muito tempo.
Porém, somente com a Constituição Federal de 1988, que reflete com fidelidade o esforço feito pelo Movimento Negro no sentido de pautar a temática da igualdade racial na agenda do Estado Brasileiro, pois prevê em seu texto legal a criminalização inafiançável e imprescritível do racismo, bem como a postulação do direito de igualdade racial, é que o Brasil inicia um processo de verdadeira redemocratização com respeito aos direitos humanos.
E é a partir da Declaração e Plano de Ação  de Durban (2001), os quais  representam uma agenda antidiscriminação que sugerem caminhos concretos para o desenvolvimento de estratégias nacionais e a articulação de políticas internacionais de combate ao racismo, à discriminação racial, à xenofobia e à intolerância correlata, é que as políticas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo ganham a força necessária para que em  21 de março de 2003 seja criada a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR , órgão assessor da Presidência da República, com status de Ministério a partir de 2008, que tem como missão formular, articular e coordenar políticas para a superação do racismo e a promoção da igualdade racial.
Desse modo, testemunhamos o surgimento de um novo ciclo no campo das políticas públicas de promoção da igualdade racial pelo caráter da busca permanente pela sua institucionalização. Em 20 de novembro de 2003 são publicados os decretos referentes à Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PNPIR (Decreto 4.886/2003), ao Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR – Decreto 4.885/2003) e à Regularização para as Comunidades Quilombolas (Decreto 4.887/2003).  
No que tange à legislação infraconstitucional federal, para além da Lei  7.716/89 que define os crimes de racismo e o previsto no artigo 140 do Código Penal, em seu parágrafo 3º, acerca do crime de injúria racial, tem-se as Leis 10.639 de 10 de janeiro de 2003, que estabelece o ensino da História da África e da Cultura Afrobrasileira nos sistemas de ensino e a Lei nº 11.645/2008, que estabelece o ensino da Cultura Indígena, leis estas que demonstram, além da evolução da compreensão das ações afirmativas, também o reconhecimento da importância da questão do combate ao preconceito, ao racismo e à discriminação na agenda brasileira de redução das desigualdades, em especial nas instituições de ensino, direito social importantíssimo no desenvolvimento nacional.
O Estatuto da Igualdade Racial, outro importante marco regulatório na legislação antirracista, foi sancionado em 20 de julho de 2010, na forma da Lei nº. 12.288/2010, com um conjunto de garantias: adota o princípio jurídico da promoção da igualdade/ação afirmativa; inclusão social da população negra; acesso à saúde levando em conta suas especificidades; educação, cultura e lazer; liberdade de crença; acesso a terra e moradia; trabalho e meios de comunicação.
Regulamentado pelo Decreto N° 8.136/2013, o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial – Sinapir, instituído pelo Estatuto da Igualdade Racial, como forma de organização e articulação para a implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades étnicas existentes no país a partir de uma organização político-administrativa em nível de gestão pública. Ainda conforme o Estatuto, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão participar do Sinapir mediante adesão. Ao poder público federal, cabe incentivar a sociedade civil e a iniciativa privada a participar do Sistema, que se mostra como uma proposta interessante para que os entes federativos busquem um patamar mínimo de equipamentos e organismos de promoção da igualdade racial.
Convém lembrar do PL 6738/2013, projeto de lei que reserva 20% das vagas  para negros nos concursos federais e que já passou por todas as Comissões e está entre as propostas de pauta na Câmara para posterior envio ao Senado.
Uma última observação cabe, em tempo, a  respeito da atual situação da população brasileira, no que tange a sua composição etnicorracial, o Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas – IPEA analisou que no Censo Demográfico de 2010 do IBGE houve alteração na composição racial brasileira, na qual a população negra passa a figurar como maioria, pela primeira vez oficialmente. Os negros brasileiros, considerados aqueles que se declaram pardos e pretos, correspondem a 96,7 milhões de indiví­duos – 50,7% dos residentes.
Em que pesem os vários marcos regulatórios, em nível federal, das Políticas de Promoção da Igualdade Racial, para que consigamos a urgente implementação inúmeros são, por demais, os desafios, principalmente, pela falta de compreensão cognitiva do racismo como fator estruturante das relações sociais no Brasil e preponderante na permanência das desigualdades.


*Júlio Evangelista Santos Júnior é Tecnólogo em Informática com ênfase em Gestão de Negócios, Advogado, Pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado, militante do Movimento Negro, membro efetivo da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB Subseção Santos/SP, membro colaborador da Comissão da Igualdade Racial da OAB Subseção Cubatão/SP, Coordenador do Projeto Educafro Regional Baixada Santista, Conselheiro de Promoção da Igualdade Racial em Cubatão, Coordenador da Câmara Temática Especial de Igualdade Racial do CONDESB e Diretor do Departamento de Igualdade Racial e Étnica da Prefeitura Municipal de Cubatão/SP